Comunicado do Bloco Latinoamericano Berlim
Este ano, o 1º de maio é comemorado e celebrado em meio a um estado de emergência global. Em todo o mundo, as diferentes atividades e marchas foram modificadas ou canceladas. No caso de Berlim, também o chamado “Myfest”, criado pela capital com cumplicidade do Estado para cancelar e despolitizar este dia de luta dos trabalhadores, terá de ser cancelado.
No entanto, nem todxs perdem com a pandemia: as mega-empresas têm continuado a lucrar com esta infeliz situação mundial. Um exemplo é a Amazon, uma das expressões mais evidentes do caráter desumano e explorador do capitalismo digital, que relata lucros enormes enquanto seu fundador, o magnata Jeff Bezos, resiste em fornecer axs funcionárixs as condições sanitárias mínimas para ter um ambiente de trabalho seguro. A Zoom Video é outra empresa que tem aproveitado isso, oferecendo esta plataforma para videoconferências gratuitas por um tempo limitado, fazendo uso dos dados de informação dxs usuárixs para traçar seu perfil e depois compartilhá-lo com outras mega-empresas como o Facebook. O capital continua violando os direitos tanto dx trabalhadorx precárix quanto dx trabalhadorx médix. Xs proprietárixs de outras empresas do setor alimentício, por exemplo, ainda estavam ativxs durante o período mais sensível da COVID-19, sem sequer garantir a saúde e segurança dxs trabalhadorxs. Quem ainda não viu entregadorxs de alimentos sem máscaras?
A classe trabalhadora está no centro da devastação desta pandemia: habitações insalubres, superlotação, recursos escassos, salários miseráveis, serviços públicos em colapso, condições de trabalho e vida precárias impostas pelo trabalho em condições inseguras. E se houver alguma dúvida, perguntamos: Que grupos compõem a maioria dxs infectadxs além dxs idosxs, se não a classe trabalhadora e migrante? E sobre quem recaem as preocupações mais sérias em caso de infecção? Sobre as pessoas sem acesso a tratamento médico e sem condições financeiras para ficarem desempregadas enquanto estão se recuperando. Basta ler as notícias sobre as pessoas afetadas pela COVID-19 nos Estados Unidos, México, Inglaterra para ver como em algumas partes do mundo a falta de equipamentos necessários (como respiradores e óculos de leitura nos hospitais) potencializa os sistemas de categorização hegemônicos, através dos quais se decide quem terá acesso ao tratamento. Um dos critérios de exclusão é a presença de condições de saúde pré-existentes. Este capacitismo institucional não afeta a todxs igualmente, mas principalmente às pessoas precarizadas.
Estes exemplos são suficientes para refletir o óbvio: a crise pandêmica global é também, e acima de tudo, uma questão de classe. Isso é vivido em toda a América Latina, e da maneira mais dura em Guayaquil (Ecuador), onde foram xs integrantes da classe exploradora e privilegiada que (mais uma vez) trouxeram uma epidemia da Europa para infectar irresponsavelmente funcionárixs, que frequentavam residências e condomínios para atendê-lxs. O consequente desastre sanitário é uma clara consequência dos cortes nos gastos públicos impostos pelo neoliberalismo nos últimos anos, uma tendência na maioria dos países da América Latina. O discurso liberal de celebrar xs trabalhadorxs da área da saúde e outrxs “trabalhadorxs essenciais” como heróicxs é apenas uma expressão da hipocrisia de um sistema que despreza e descarta permanentemente camponesxs, educadorxs, enfermeirxs, médicxs, limpadorxs, cuidadorxs e outrxs proletárixs a favor daquelxs que não produzem nada além de exploração e desigualdade.
Nós, do Bloco Latino-americano, reconhecemos os múltiplos significados que o 1º de maio tem para tantas pessoas, situadas em suas identidades e oprimidas por diferentes sistemas de desigualdade patriarcal, racista, capacitadora e de classe. Conscientes dessa interseccionalidade, comemoramos o 1º de maio, saudando-o como símbolo global de luta contra o capital, contra a exploração e contra a discriminação, também (e mais ainda) nos tempos da COVID-19.
Esta nova virada na história nos dá outro argumento para insistir na necessidade de mudança da ordem mundial: a ordem capitalista. Não pode mais haver dúvidas de que são os empregos essenciais e invisibilizados que realmente sustentam a vida no planeta: o trabalho dxs camponesxs para obter alimentos, o trabalho do setor de serviços como os supermercados para continuar fornecendo axs consumidorxs muitas de suas necessidades, o setor da saúde com salários cortados ou estagnados, o setor de educação, o setor de serviços de cuidado que é o que continua trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana, até mesmo on-line. Também ao nível doméstico, o trabalho reprodutivo não parou, a maior parte do qual recai sobre corpos feminizados, e que nestes tempos é exacerbado pela indispensabilidade de cuidado e apoio às pessoas e à moradia. Quanto trabalho produtivo realmente depende desse trabalho reprodutivo (remunerado ou não) que muitas vezes não é levado em conta e do qual o sistema capitalista tem se aproveitado?
As lutas sociais devem sempre ocorrer (também) nas ruas. Nesta ocasião não comemoramos o 1º de maio marchando, conscientes tanto da necessidade de cuidarmos de nós mesmos quanto do fato de que o sistema aproveita esta situação como uma oportunidade para promover seu caráter verdadeiramente autoritário e repressivo. Entretanto, continuamos questionando esse sistema trabalhista e buscamos formas de nossas ações coletivas promoverem uma mudança radical no mesmo. E às ruas, voltaremos!