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1° DE MAIO. A CENTRALIDADE DE UMA COMEMORAÇãO QUE ESTÁ RENASCENDO

Mais uma vez um Primeiro de Maio em Berlim, mais uma vez nas ruas junto com o Bloque Latino Americano

Desde a fundação da nossa organização em 2018, essa data está presente em nossos debates e projetos políticos. Em 2019 e 2020, não participamos dessa manifestação, pois consideramos que a dinâmica tanto da sua organização quanto da marcha em si não era coerente com as demandas e necessidades das pessoas migrantes. Embora a maior parte do trabalho precário e reprodutivo seja feita por migrantes, suas demandas e suas organizações não estavam presentes ali.

No entanto, sabíamos que esse não era um espaço que iríamos abandonar devido ao peso que ele tem para a história política da esquerda e, especialmente, porque é um dos momentos em que podemos levantar as bandeiras históricas e novas do movimento trabalhista. Começamos a nos organizar, a propor novas alianças e a nos preparar para intervir na cena das ruas.

Foi entao assim que decidimos nos manifestar na “Revolutionäre 1. Mai Demo”[1] junto com diferentes grupos alemães de esquerda e migrantes, muitos deles criminalizados, muitos perseguidos, muitos banidos, muitos proscritos pelas elites desse país. Esse momento de abertura, em que grupos de migrantes em Berlim foram convidados a marchar ao lado das organizações tradicionais da esquerda radical, foi um ponto de virada, pois a mobilização havia caído em irrelevância nos últimos anos e corria o risco de se tornar definitivamente uma coisa do passado. Outro fator importante que contribuiu para a despolitização e a baixa massividade da manifestação foi a organização do Mai Fest, um festival organizado desde o início dos anos 2000 pelo governo de Berlim para limpar a cara do dia e esvaziar as ruas de slogans políticos e revolucionários.

É justo dizer que, com essa aliança, mudamos o símbolo de uma marcha que historicamente esteve ligada a confrontos pontuais entre pequenos grupos de esquerda e a polícia; quase uma questão esportiva sem muito conteúdo político. Esse esporte sectário e adolescente de confronto com a polícia provou servir apenas aos poderosxs e às forças de (in)segurança, em sua paixão a-histórica por demonizar as forças de esquerda.

Quanto mais violentos foram as manifestações, menos massivas elas se tornavam. E está claro para nós que o que as elites e suxs funcionárixs mais querem é evitar que as mobilizações sejam massivas. O principal fator da repressão não é a violência, mas o medo que ela gera naquelxs que testemunham a repressão. A violência dxs opressorxs é uma mensagem para impedir a participação política. Do nosso ponto de vista, o Primeiro de Maio é uma manifestação simbólica, histórica e contemporânea, em que o objetivo é mostrar que milhões de pessoas estão buscando construir um mundo diferente que não seja baseado na exploração. É por isso que a força, a massividade e a clareza das reivindicações são fundamentais para seu sucesso.

Chegamos ao 1° de maio de 2023

De acordo com declarações oficiais da polícia de Berlim, essa manifestação foi a mais pacífica desde 1987. Entretanto, o “tom” da manifestação tem sido completamente diferente há três anos, então o que mudou este ano? A partir das declarações oficiais, deduzimos que o principal fator que esteve ausente foram as provocações e a intenção da polícia de atacar xs manifestantes. Mais uma vez, fica demonstrado que o principal fator de violência são as forças de segurança.

O governo municipal e outros grupos de direita lançaram uma campanha para demonizar as organizações de esquerda que convocaram a manifestação. O argumento central era que elas estavam radicalizando xs jovens de bairros de migrantes (como Neukölln), que antes eram apolíticxs. Novamente, o que as forças que defendem o status quo mais temem é a politização da sociedade. Elas sabem que a participação política e social derrota seus programas de ajuste, privatização e precariedade. Essa se tornou uma das principais questões políticas e econômicas desde a implementação dos planos de ajuste estrutural realizados pelo governo anterior do Die Grünen e do SDP (Agenda 2010)[2] e, especialmente, com o surto da pandemia, pois ficou demonstrado que os empregos “essenciais” e o trabalho de assistência são realizados por pessoas migrantes e racializadas. Sem esse trabalho migrante, precário, mal pago e informal, a acumulação de riqueza que vemos diariamente neste país seria impossível. Portanto, não é coincidência que as elites estejam cientes do ódio que os setores populares sentem por elas e temam a organização política desses setores.[3]

É exatamente disso que se trata o 1º de maio, como símbolo das lutas diárias e silenciosas daquelxs que vivem de seu trabalho e fazem o mundo girar.[4]

Com isso em mente, construímos uma ampla aliança internacional de grupos de migrantes, esquerdistas, feministas, artísticos, etc., que devolveram à mobilização seu significado original: um dia para denunciar a exploração daquelxs de nós que não têm nada mais do que nossa força de trabalho e para deixar claro que outro sistema não é apenas possível, mas necessário. A chave para esse novo e bem-sucedido 1º de Maio Revolucionário foi criar um dia de luta como um espaço aberto, seguro e diversificado que convida xs trabalhadorxs a saírem às ruas novamente para quebrar a espiral de medo e apatia.

Nosso objetivo não é apenas mobilizar xs migrantes, mas todas as pessoas que entendem a necessidade de mudança do sistema, não porque leram sobre isso em livros de grandes pensadores, mas porque essa é uma urgência que nasce de cada hora trabalhada em um hospital, em uma empresa de plataforma ou em um estabelecimento gastronômico. O sistema não será transformado de cima para baixo, mas a partir da mobilização e da organização dxs que estão embaixo.

No 1º de Maio deste ano, éramos 25.000 pessoas nas ruas no marco da “1.Mai Revolutionäre Demo”, além de centenas de milhares de outras em diferentes ações em Berlim, milhares dessas pessoas eram migrantes e, para muitas delas, era a primeira vez que participavam de uma manifestação neste país.

Depois desse pequeno-longo caminho recorrido, reafirmamos que essa é a aposta, esse é o caminho, essa é a vitória que passa despercebida pelo poder e é aí que reside seu poder revolucionário. Nisso reside o poder de construir uma nova esquerda no Norte global, uma esquerda que não tem medo do povo, uma esquerda diversificada que é moldada pelas lutas populares e suas necessidades. Que defenda a alegria como parte da construção, no presente, do mundo que queremos construir e viver no futuro. Que organize a raiva para melhorar nossas vidas enquanto caminhamos em direção à utopia. Em suma, queremos uma esquerda que não tenha medo do poder e que, ao fazê-lo, desestabilize os poderes constituídos.[5]

Acreditamos que essas transformações são o resultado do trabalho permanente, persistente e orientado de organizações políticas comprometidas com a mudança estrutural exigida pela situação de crise histórica que estamos vivendo. Podemos cometer erros, mas nunca deixaremos de tentar.

Ter escolhido o caminho da revolução é uma decisão de vida que se constrói em cada reunião, em cada encontro e em cada ação. Com o povo tudo, sem o povo nada.


[1] https://bloquelatinoamericanoberlin.org/2021/05/08/discurso-del-1-de-mayo-2021/

[2] Um conjunto de reformas do mercado de trabalho e da política social do estado alemão que significou uma liberalização do mercado de trabalho, uma privatização do auxílio estatal e, em particular, a consolidação da legislação em favor da hiperexploração da força de trabalho.

[3] Para obter mais informações, consulte: https://bloquelatinoamericanoberlin.org/2022/10/18/claves-para-entender-la-inflacion-en-alemania/

[4] https://bloquelatinoamericanoberlin.org/pt/2023/04/04/sisifo-e-a-anmeldung-a-espiral-de-precariedade-da-moradia-dxs-migrantes-em-berlim/

[5] https://bloquelatinoamericanoberlin.org/pt/2023/05/22/discurso-de-1o-de-maio-bloque-latinoamericano-berlin/